quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Hemetério dos Santos

         Professor de escola normal, gramático e poeta sem qualquer relevo, Hemetério dos Santos nasceu no Maranhão em 1858. Seu nome hoje estaria repousando de maneira justa no esquecimento, se não fosse uma carta que ele redigira contra Machado de Assis, acusando-o das maiores perversidades. O corpo do escritor nem esfriara na sepultura, quando o maranhense escreveu na Gazeta de Notícias de 29 de novembro de 1908 um texto cheio de acusações covardes, que nunca em vida de Machado ele teria coragem de publicar. Negava-lhe não só a grandeza da obra, como também lançava diversas acusações sobre o seu caráter. Em suma, desancava-o impiedosamente e, por causa desse artigo, a imagem do escritor por muito tempo foi pintada como a de um homem insensível às questões sociais de seu tempo. Hemetério não se conformava que um literato da estatura de Machado de Assis, tido por todos como o chefe incontestável da literatura nacional, não se batesse publicamente pela causa da abolição, como Patrocínio ou Silva Jardim.
            Hemetério dos Santos era um negro retinto, que andava pela rua do Ouvidor de fraque e óculos, fumando charutos enormes. Deveria parecer uma figura extremamente grotesca aos olhos do povo e a piada corriqueira do tempo era dizer a seu respeito, quando o viam caminhando desajeitado pelas ruas: lá vai um charuto fumando outro! Publicou na velhice um livro medíocre de versos, intitulado Frutos Cadivos e costumava assinar seu nome de maneira boboca: M Etério. O polemista Carlos de Laet chegou certa vez a lhe chamar de “negrinho burro”.
            Por que Hemetério dos Santos teria toda essa revolta guardada contra Machado de Assis? Na certa, o autor de Dom Casmurro deve ter dito palavras pouco louváveis a respeito de alguns de seus versos. Talvez eles se encontrassem na Livraria Garnier e Machado, solicitado a opinar a respeito de alguma poesia do gramático, tenha dito a verdade...
            Certo é que havia muita gente que não tinha Hemetério em grande conta. A respeito dele, o poeta Emílio de Meneses publicara os seguintes versos:

H. de S.

O preto não ensina só gramática.
É pelo menos o que o mundo diz.
Mete-se na dinâmica, na estática
E em muitas coisas mais mete o nariz.

Dizem que, quando ensina matemática,
As lições de mais b, de igual a x,
Em vez de em lousa, com saber e prática,
Sobre a palma da mão escreve a giz.

Uma aluna dizia: - Este Hemetério
Do ensino fez um verdadeiro angu,
Com que empaturra todo o magistério.

E é um felizardo, o príncipe zulu.
Quando manda um parente ao cemitério,
Tem um luto barato: fica nu.

            Eis alguns trechos da carta de Hemetério dos Santos, em que o maranhense tece afirmações levianas contra Machado de Assis:

      “Eu conheci essa boa mulata velha (Maria Inês), comendo de estranhos, com amor, e conforto máximo, chorando, porém, pelo abandono nojoso em que a lançara o enteado de outrora, nunca mais a procurando desde a sua mudança de São Cristóvão, lugarejo de operários, para o opulento nicho de glória nas Laranjeiras.”

      “A sua poesia foi tão incolor, como os seus trabalhos ulteriores...”

      “A arte de Machado de Assis (...) é uma arte doentia, de uma perversidade fria, não sentida diretamente do meio, mas copiada de leituras pacientemente ruminadas, de romances franceses e ingleses...”

      “O Brás Cubas e o Dom Casmurro, tantas vezes lidos e relidos, pelo autor, seriam um belo tratado das misérias humanas, um “abc” doirado para os mancebos libertinos, se não tivessem tantas e tão variadas incorreções de forma e de estilo.”


            Pelos exemplos citados, vê-se que o professor Hemetério dos Santos nutria um ódio antigo pelo autor de Esaú e Jacó