quinta-feira, 23 de julho de 2009

A PRIMEIRA MUSA DE MACHADO DE ASSIS


Como todo rapaz sonhador, Machado não podia deixar de compor poesias românticas. Aos 16 anos, escreveu uma série de poemas de amor para alguma mocinha que ele não quis revelar e que os críticos batizaram de “ciclo de poesias dedicadas à primeira musa”. Ao todo, são 6 poemas oferecidos a uma cantora italiana, escondida sob o nome de Júlia. Sabe-se que, nessa época, não havia nenhuma atriz ou cantora italiana com esse nome atuando na cidade do Rio de Janeiro. Por causa deste mistério, aventaram-se diversos nomes de possíveis atrizes líricas que poderiam ter despertado tal paixão no peito do jovem Joaquim Maria. Alfredo Pujol sugere o nome de Annetta Casaloni, uma das rivais da Charton. Já o professor Jean-Michel Massa acredita que a mulher em questão seria Augusta Candiani.


Tornara-se muito comum escrever poesias e dedicá-las às cantoras de ópera. Era um tempo em que as mulheres de família quase não colocavam os pés nas ruas, de maneira que restavam aos rapazes apaixonados ou as prostitutas ou essas atrizes cobertas de glória. Na verdade, elas tinham incontáveis adoradores, que duelavam pelos jornais, cada qual defendendo em versos a sua musa. Houve mesmo uma verdadeira batalha nas gazetas entre as facções casalonistas e as chartonistas. Cada poeta tinha a sua dama para louvar, uma autêntica transposição moderna do amor cortês. Quando uma delas entrava no palco, os seus admiradores cobriam-na com pétalas de rosas, enquanto os adversários deitavam vaias e assobios.


Machado adorava ópera e teatro, mas era pobre e quase nunca conseguia dinheiro para assistir aos espetáculos. Mais de uma vez, deve ter ficado junto à porta, do lado de fora do teatro, observando o alegre movimento, admirando todas aquelas carruagens e pessoas elegantes. Sabia que diversão daquela espécie não era para gente como ele, pelo menos enquanto não arranjasse um bom emprego e pudesse pagar o preço do ingresso. De qualquer forma, é provável que tenha visto algumas atrizes entrando ou saindo do teatro, de longe e rodeadas por muitos outros admiradores. Depois, retornaria para sua humilde casa lá no bairro de São Cristóvão e no silêncio triste do seu quartinho mal iluminado, pegava da pena e se punha a escrever poemas românticos, onde procurava expressar seu amor platônico:

Meu Anjo

“És um anjo de amor - um livro d’ouro
Onde leio o meu fado
És estrela brilhante do horizonte
Do bardo namorado
Foste tu, que me deste a doce lira
Onde amores descanto.


Lúcia Miguel Pereira também sugere que a mulher amada seria a Casaloni, uma cantora de ópera muito famosa naquela quadra. A título de curiosidade, observe-se como uma crônica da época descreve a artista:

“A Casaloni tem o aspecto viril, o meneio precipitado, displicente, a fronte arquejada, bojuda, os olhos verdoengos, grandes, sem ação, retentos, atontados. Tem a cútis adensada, as espáduas largas, o talho agigantado, as proporções da antiga Palas, as carnes flácidas, o peito inflexo, espaçoso”.

Pela descrição, notamos que a natureza não fora muito generosa com a Casaloni, no tocante à beleza e demais atributos físicos. Se não era bela, também não era jovem e a verdade é que ela conquistava seus admiradores através de sua voz poderosa, que fazia tremer até os tetos dos teatros. Segundo Machado, ela tinha um vozeirão que valia por toda uma companhia. A seguinte quadra de Francisco Otaviano bem define a Casaloni:

“Que importa que digam que é velha, que é feia,
Que pinta o cabelo, que enfeita o carão,
Se as vozes que partem daquela sereia
Despertam nas almas suave emoção.”

sábado, 18 de julho de 2009

MACHADO DE ASSIS CANDIDATO?

Em 1865, os liberais chegam ao poder e Saldanha Marinho, diretor do Diário do Rio de Janeiro, é nomeado presidente da província de Minas. Político liberal, Saldanha Marinho foi a primeira pessoa a assinar o Manifesto Republicano de 1870. Assim como José de Alencar, ele também cortara relações com D. Pedro II, pois este o havia preterido para o cargo de senador. Anticlericalista radical e chefe maçom, Saldanha Marinho desempenhou tão bem seu cargo de presidente da província de Minas, que Zacarias o nomeou para governar a província de São Paulo, onde permaneceu até outubro de 1867, quando subiram ao poder os conservadores. Machado de Assis, enquanto foi funcionário do Diário do Rio de Janeiro, freqüentou-lhe muito a casa, onde conheceu diversas personalidades políticas da corte. Saldanha Marinho faleceu no ano de 1895.
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Em Ouro Preto, Saldanha Marinho tem como seu secretário particular Henrique César Múzzio, outro funcionário do Diário do Rio de Janeiro e amigo de Machado de Assis. Durante algum tempo, o jornal fica sob a direção de Quintino Bocaiúva, mas em breve este também teria de se afastar para cumprir uma missão nos Estados Unidos. Com isso, Machado vê seu trabalho aumentar enormemente, pois todo serviço agora passa a acumular sobre as suas costas. Mas o aumento de trabalho não veio acompanhado de um acréscimo em seus vencimentos. É tanto serviço e tão mal remunerado, que Joaquim Maria começa a pensar seriamente em sair desse emprego. Para sobreviver, faz traduções para seu amigo Furtado Coelho, como O Anjo da Meia-noite e O Barbeiro de Sevilha, além de traduzir o romance de Victor Hugo, Os Trabalhadores do Mar, publicado em folhetim pelo Diário do Rio de Janeiro entre março e julho de 1866.

O jornal Opinião Liberal, que mais tarde seria transformado em A República, era dirigido por Rangel Pestana e Limpo de Abreu. No dia 12 de maio de 1866, na seção “Jornal de Confúcio”, publicou a seguinte notícia:
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“CANDIDATOS À FUTURA CÂMARA DOS DEPUTADOS

O Sr. Sizenando Nabuco pelo 3o. distrito do Rio de Janeiro.
O Sr. Conselheiro Pedrosa pelo 4o. distrito da mesma província.
O Sr. Quintino pela Corte.
O Sr. Machado de Assis pelo 2o. distrito de Minas.
O Sr. José Caetano dos Santos teima em ser candidato pela corte.”

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Teria Machado de Assis se candidatado a deputado para a legislatura de 1867-68? Teria em sua juventude acalentado o sonho de entrar para a política? É provável que em seu íntimo ele nutrisse com carinho essa idéia, apoiada pelo fato de que muitos de seus personagens entraram para a Câmara dos Deputados. Todavia, a sua natureza pouco expansiva, a dificuldade em se expressar de improviso, o horror de falar em público por causa de sua gagueira, foram fatores decisivos para demovê-lo dessa idéia. Mas em 1866, quando a notícia foi publicada, ele não chegou a desmenti-la pelos jornais.

Também a revista ilustrada Pandokeu colaborou para divulgar essa pretensa candidatura de Machado de Assis. Na capa de sua edição de número trinta e oito, havia a caricatura de Machado, Quintino e Múzzio, onde eles eram apontados como canditados a deputados, impostos pela vontade do presidente da província mineira, Saldanha Marinho.

Logo, porém, o jornal Opinião Liberal corrigiu a notícia dada duas semanas antes, afirmando que “o Sr. Machado de Assis retirara a sua candidatura”. Joaquim Maria, porém, nunca fora candidato e jamais ocuparia qualquer cargo político em toda sua vida.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

BAPTISTE LOUIS GARNIER * * * * * * * * Um editor de Machado de Assis

Baptiste Louis Garnier chega ao Rio de Janeiro em meados da década de 1840, estabelecendo na rua do Ouvidor uma filial da livraria que ele e seu irmão, Hypollite Garnier, tinham em Paris. A princípio, a loja vendia produtos importados da França, como bengalas e charutos, perfumes e até remédios. Com o tempo, os livros foram se tornando o carro-chefe da casa e Garnier resolve mandar traduzir obras francesas, que ele faz imprimir no Brasil, na tipografia de Charles Berry. Em 1873, adquire um parque gráfico e funda com o amigo a Impressora Franco-Americana. A partir de 1859, passa a publicar a Revista Popular e, com o desaparecimento desta, edita o Jornal das Famílias, que teria longa vida.

Conta-se que B. L. Garnier era um sujeito ativo, mas muito resmungão e, principalmente, sovina. Ao receber sua correspondência, a primeira coisa que fazia era olhar o selo; às vezes, eles encontravam-se sem carimbo e, dessa forma, poderiam ser utilizados novamente. Mas mesmo que os selos estivessem carimbados, Garnier guardava-os para os vender a colecionadores de Paris. Nunca freqüentou teatros e, se ia a restaurantes, era seu costume, ao fim das refeições, raspar o prato com um pedaço de pão, a fim de aproveitar todo o resto do molho. Era trabalhador, abrindo sua livraria sempre às cinco horas da manhã. De sua escrivaninha, vigiava tudo e jamais permitiu a seus funcionários utilizarem fósforos de cera, com receio de incêndios. Durante muitos anos, foi o fornecedor oficial de livros do imperador, que fez dele Comendador da Ordem da Rosa. Morreu em 1893, deixando imensa fortuna de quase sete mil contos para seu irmão. Por causa das iniciais de seu nome, B. L. Garnier era chamado pelos amigos de “bom ladrão”.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A MÃE DE MACHADO DE ASSIS * * * * * MARIA LEOPOLDINA MACHADO DA CÂMARA - Parte I

Segundo filho do casal Estevão José Machado e Ana Rosa da Câmara, Maria Leopoldina nasceu no dia 7 de março de 1812, na cidade de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, nos Açores. Portanto, a mãe de Machado de Assis era branca e não negra como afirmaram alguns biógrafos. O sempre bem informado Augusto Meyer chegou mesmo a declarar que ela teria olhos azuis, como a maioria das mulheres de São Miguel. Outro erro muito comum que se costuma atribuir à biografia de Maria Leopoldina é alegar que ela era lavadeira. Isso é uma grande bobagem, uma vez que no século XIX cabia apenas às escravas esse tipo de serviço. Não existiam lavadeiras assalariadas. Talvez ela cozinhasse, engomasse, bordasse, fizesse trabalhos de costura e até mesmo lavasse roupa uma vez ou outra, ajudando nas tarefas domésticas, mas daí a dizer que esta era a sua profissão vai uma grande diferença. Há de se ficar bem claro que Maria Leopoldina não era escrava, mas uma pessoa livre, que vivia como agregada na Chácara do Livramento, onde ela era muito estimada pela proprietária, dona Maria José.

E como ela teria chegado à Chácara do Livramento?

Nas primeiras décadas do século XIX, houve uma grande emigração de açorianos para o Brasil. Isto se deu por dois motivos básicos. Primeiro porque, naquela época, a população existente nas ilhas era extremamente pobre, não havia alimentos para todos e muitos foram obrigados a abandonar suas famílias para não morrerem de fome. Segundo, porque a Inglaterra passou a colocar uma série de empecilhos para dificultar cada vez mais o tráfico de escravos africanos, chegando mesmo a perseguir os navios negreiros. O rendoso comércio de negros já não era mais o mesmo e a saída encontrada foi buscar “trabalhadores livres” açorianos para substituir a falta de mão-de-obra na lavoura. Isto porque havia uma lei que não permitia o tráfico de escravos, mas autorizava o transporte de açorianos nos mesmos navios negreiros, quase sempre em condições desumanas. As pessoas se amontoavam feito animais em porões fétidos, na mais absoluta falta de higiene, e assim atravessavam o oceano que parecia não ter mais fim. Esse modo de comércio transformou-se numa alternativa rendosa para os traficantes. Quem estivesse interessado em contratar algum trabalhador desembarcado no Brasil, pagava ao capitão do navio a quantia estabelecida por ele, ou seja, o valor da passagem. Não se tratava, portanto, de uma compra simples como era feito com relação aos escravos e, em teoria, o trabalhador açoriano não pertencia a ninguém. Todavia, era uma liberdade simplesmente no nome. O contrato estabelecido é que ele teria de trabalhar para o senhor até saldar sua dívida, que, em muitos casos, durava a vida toda. Inúmeras açorianas caíram na prostituição e fica muito evidente que a situação desse emigrante não era em nada diferente que a de um escravo.

Acredita-se que Maria Leopoldina tenha vindo para o Brasil numa dessas levas de açorianos, espremida como gado num navio negreiro.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A MÃE DE MACHADO DE ASSIS * * * * * MARIA LEOPOLDINA MACHADO DA CÂMARA - Parte II

Uma das questões mais controversas na biografia da mãe de Machado é saber se Maria Leopoldina chegou ao Brasil já moça ou ainda menina. A opinião dos estudiosos divide-se radicalmente quanto a isso e creio que nunca haverá um consenso, uma vez que não há dados concretos sobre este assunto. Por minha parte, estou inclinado a acreditar que ela chegou aqui por volta dos três anos, ou seja, em torno de 1815. Esta hipótese, defendida por alguns comentadores da obra de Machado, é fundamentada por dois fatos principais.

Gondin da Fonseca, que esmiuçou a vida de Machado por todos os lados, chegando, inclusive, a viajar para os Açores, encontrou o assento de batismo da mãe do escritor na igreja de São Sebastião, localizada na cidade de Ponta Delgada. Curiosamente, os pais dela batizaram a menina simplesmente como Maria e mais nada. Sem qualquer sobrenome. Ora, o Leopoldina que lhe foi acrescentado posteriormente só pode ter sido em homenagem a Arquiduquesa da Áustria, D. Leopoldina, primeira mulher de D. Pedro I. A imperatriz chegou ao Brasil em 1817, ano em que muitas crianças receberam na pia batismal o seu nome, por estar na moda.




















A fim de colaborar ainda mais com esta opinião, basta lembrar que Maria Leopoldina sabia ler e escrever. Praticamente todos açorianos que vieram para o Brasil no início do século eram analfabetos. Por isso, acredita-se que ela tenha aprendido a ler e escrever ainda menina na chácara do Livramento, aos cuidados de dona Maria José.
Ignora-se como Maria Leopoldina ligou-se à gente da chácara, nem se ainda devia algum dinheiro a alguém pelos custos da viagem. O certo é que granjeou grande estima de dona Maria José, que a tratava como uma filha. Aos 14 anos esteve para se casar, porém o consórcio acabou não se realizando por algum motivo ignorado. Três anos depois, encontramos a menina noiva novamente e mais uma vez frustraram-se os seus planos nupciais (nesta oportunidade, o noivo teria sido Joaquim José de Mendonça, filho de Maria José). A terceira tentativa de casamento ocorreu aos 21 anos e também dessa vez não houve matrimônio. Quem defende essa idéia é ainda Gondin da Fonseca, afirmando que Maria Leopoldina já se via solteirona e somente por isso aceitou a proposta de casamento do pai de Machado. Segundo Gondin, ela casou-se aos 26 anos com Francisco José por medo da solidão e sem nenhum amor a ele. Mas há quem conteste este julgamento, como o francês Jean-Michel Massa, também outro grande estudioso da vida de Machado de Assis. De qualquer forma, os pais do escritor casaram-se no dia 19 de agosto de 1838 na capela do Livramento.

O casal teve dois filhos: uma menina, que foi batizada com o mesmo nome da mãe, Maria, e um menino, Joaquim Maria, que viria a se tornar um dos maiores escritores da literatura mundial. O pequeno era muito apegado à mãe. Ela contava-lhe histórias tão lindas, que o menino ouvia sempre curioso e atento. Foi Maria Leopoldina quem lhe ensinou as primeiras letras. Alguns anos depois, Machado se lembraria dela numa poesia:

MINHA MÃE

Quem foi que o berço me embalou na infância
entre as doçuras que do empíreo vêm?
e nos beijos de célica fragrância
velou meu sono puro? Minha mãe!
Se devo ter no peito uma lembrança,
é dela, que os meus sonhos de criança
dourou: é minha mãe!

Quem foi que ao entoar canções mimosas
cheia de um terno amor, - anjo do bem,
minha fronte infantil encheu de rosas
de mimosos sorrisos? Minha mãe!
Se dentro do meu peito macilento,
o fogo da saudade me arde, lento,
é dela: minha mãe!

Qual o anjo que as mãos me uniu outrora
e as rezas me ensinou que da alma vêm?
e a imagem me mostrou que o mundo adora,
e ensinou a adorá-la? Minha mãe!
Não devemos nós crer num puro riso
desse anjo gentil do paraíso
que chamou-se uma mãe?

Por ela rezarei eternamente,
que ela reza por mim no céu também;
nas santas rezas do meu peito ardente
repetirei um nome: minha mãe!
Se devem louros ter meus cantos d’alma,
ó! do povir eu trocaria a palma
para ter minha mãe!


Depois dessa poesia, Machado silenciou e quase mais nada escreveu sobre ela pelo resto de seus dias. Para o escritor, deveria ser uma recordação muito dolorosa lembrar-se de sua querida mãe, que partira desta vida ainda tão jovem, com apenas 36 anos de idade. No século XIX, a tuberculose era uma doença que matava sem piedade, escolhendo indistintamente suas vítimas em qualquer classe social. Maria Leopoldina apanhara a tísica e morrera no dia 18 de janeiro de 1849, quando o pequeno Joaquim Maria tinha apenas nove anos. Este fato deixou profundas marcas na existência de Machado. A dor provocada pela morte de uma pessoa tão próxima feriu irremediavelmente a alma daquele pobre menino indefeso, agora desprotegido e entregue à crueldade do mundo. Logo compreendeu que tudo na vida era transitório e inseguro.

O que prova que Maria Leopoldina seria uma pessoa muito querida na Chácara do Livramento, é que ela foi enterrada no Convento de Santo Antônio, bem ao lado de dona Maria José, a madrinha de Machado.

terça-feira, 14 de julho de 2009

ENTRE CONCURSOS LITERÁRIOS

Machado de Assis já havia lançado três livros de versos, mas continuava um poeta pouco popular, bem distante da intimidade que havia, por exemplo, entre Gonçalves Dias e o público. Prova disso, foi o resultado de um plebiscito organizado pelo jornal de Valentim Magalhães. Em 1885, A Semana lançou a idéia para se escolher o melhor poeta do Brasil. Para votar, bastava que o indivíduo escrevesse num pedaço de papel o nome desejado e depositasse seu voto numa urna, que ficava na sede do jornal. Durante algum tempo, recolheram-se as cédulas; inúmeros poetas foram lembrados, sobretudo os já falecidos. Dentre os vivos, apenas Luís Delfino teve boa votação. O resultado final indicou o nome de Gonçalves Dias como o grande vencedor, tendo recebido cento e quarenta e seis votos. Em segundo lugar ficara Castro Alves, com cento e oito. E Machado de Assis? Bem, o autor das Crisálidas não recebeu nenhum voto...

Joaquim Maria ainda participaria de um outro concurso literário neste ano, dessa vez como jurado. Em maio de 1885, falecera o grande escritor Victor Hugo, considerado por muitos como o maior homem de letras do século. O seu óbito teve ampla repercussão na imprensa carioca e o jornal A Semana, para homenagear o escritor, resolveu lançar um concurso de sonetos em sua memória. O vencedor ganharia uma coleção de livros do autor, luxuosamente encadernada. Parece que o concurso não teve grande divulgação, pois apenas quarenta e cinco sonetos foram inscritos. Além de Machado de Assis, o corpo de jurados era formado por mais duas pessoas: Lúcio de Mendonça e a escritora Adelina Lopes Vieira, que era cunhada de Filinto de Almeida, um dos diretores de A Semana. Ao cabo do julgamento, venceu o soneto de número trinta e dois, coincidentemente, escrito pelo próprio dono do jornal, Valentim Magalhães!

A experiência de Machado de Assis como jurado de concursos literários não terminaria por aí. Três anos depois, novamente ele exerceria tal função num concurso promovido pelo jornal Novidades. Dessa vez, o vencedor seria aquele que melhor traduzisse dois sonetos do poeta francês José Maria de Heredia. Nessa ocasião, também foram jurados o poeta Luís Murat e o companheiro de repartição de Joaquim Maria, Artur Azevedo. O concurso foi vencido por Mário de Alencar, jovem de apenas dezessete anos, filho de José de Alencar, e que se tornaria um dos grandes amigos de Machado de Assis.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

VALENTIM MAGALHÃES

Nascido no Rio de Janeiro em 1859, Valentim Magalhães estudou Direito na faculdade de São Paulo, mas logo enveredou pelos caminhos do jornalismo, fundando o jornal A Semana, de orientação abolicionista e republicana. Ao escrever seu livro Flor de Sangue, enviou uma carta a Machado de Assis, pedindo-lhe uma crítica favorável, uma vez que todos o estavam desancando pela imprensa. Joaquim Maria atendeu o pedido do amigo, mas os elogios não vieram abundantes como Valentim esperava. Antes, o escritor mostrou que o livro apresentava certa fragilidade; o próprio Magalhães de Azeredo, em carta a Machado, dissera-lhe que Valentim Magalhães tinha o mau costume de fazer seus livros muito rapidamente, sem a paciência que requer toda obra de arte. Seja como for, ele idolatrava Machado de Assis, chegando mesmo a escrever a respeito do mestre palavras que mais pareciam aflorar da boca de uma namorada aflita:

“... Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Varela, Castro Alves, Machado de Assis...
- Esse é um velho; resmunguei vesgo de inveja.
- Um velho! É o mais moço de todos vocês. Nunca o visito que o não encontre preparado para receber-me. Que festas, que transportes, que entusiasmos!... É o meu preferido, o meu bem-amado. Ia a caminho dele quando me chamaste. Costumo ir dar-lhe um beijo todas as manhãs, antes que nele acorde o chefe da seção, enquanto o poeta está de vigília. Desse beijo nasce quase sempre uma estrofe, ou uma frase da próxima crônica, que ele, à noite, quando acorda o poeta e adormece o empregado público, passa ao papel sem demora. Oh! o meu Machado, como lhe quero bem! Que rapaz! Lá está ele impaciente com a minha tardança! Já vou, meu amor!”

Quem fala é a Fantasia, transformada em personagem por Valentim Magalhães, mas que parece se identificar com os sentimentos do escritor. O autor de Flor de Sangue foi também um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira número sete, tendo por patrono Castro Alves. Faleceu com apenas quarenta e quatro anos, a 17 de maio de 1903.

BENTO BARROSO PEREIRA

Nascido em Minas Gerais, o general Bento Barroso Pereira foi um proeminente político de seu tempo. Em 1824, alguns patriotas de Pernambuco tentaram instaurar a república no país. Destacado por Dom Pedro I para combater esta revolução, desempenhou com tamanha eficiência sua tarefa, que a coroa, agradecida, nomeou-o senador no ano de 1826, representando a província de Pernambuco. Tão influente era no meio político, que Bento chegou a ser presidente do senado por mais de 2 anos. De 20 de novembro de 1827 até 15 de junho de 1829, assumiu o cargo de Ministro da Guerra, o qual também ocupou no período da Regência Trina. Bento Barroso Pereira veio a falecer no dia 8 de fevereiro de 1837.

Morava com a família no casarão da Chácara do Livramento, administrada por ele até a morte de Ana Teresa Angélica da Cunha e Sousa. Com o passamento desta, Bento herdou grande parte das terras. Um fato curioso e que passou despercebido pelos biógrafos de Machado é que Bento Barroso Pereira teria sido escolhido padrinho do escritor, caso ele não tivesse falecido dois anos antes de Machado nascer.

Sabe-se que a esposa do Bento, Maria José de Mendonça Barroso Pereira, então viúva em 1839, foi escolhida para ser madrinha do autor de Quincas Borba. Para padrinho, chamaram um genro de Maria José, Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, que era viador do Paço Imperial, Comendador da Ordem de Cristo e Oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro. Este incidente biográfico pouca importância teria na vida de Machado, se não fosse um pequeno detalhe. Os pais do futuro escritor, Francisco José e Maria Leopoldina, para agradecer tamanha distinção e homenagear aquelas pessoas tão nobres e generosas, que se dispunham a apadrinhar uma criança de classe social inferior a deles, haviam prometido batizar o menino com o nome dos padrinhos, Joaquim e Maria. É por isso que ele recebeu na pia batismal o nome de Joaquim Maria Machado de Assis. Ora, se Bento Barroso Pereira ainda fosse vivo, é natural que ele fosse o padrinho escolhido. Decorre daí, que o escritor possivelmente não receberia o nome de Joaquim Maria, mas de Bento Maria Machado de Assis. Ele próprio saberia disso, como parece nos querer informar pelas entrelinhas de sua obra. Em Dom Casmurro, um romance em que há muitos elementos biográficos, Machado não teve dúvidas em crismar seu personagem principal de Bento. Bentinho não seria, portanto, uma máscara sutilmente engendrada para esconder alguns traços ainda obscuros, mas fundamentais para a compreensão da vida do bruxo do Cosme Velho? Fica aí a pergunta, para que outros estudiosos, dotados de mais luzes e novos materiais de pesquisa, possam responder a tal indagação.


domingo, 12 de julho de 2009

LISTA DE BENS - ESPÓLIO DE MACHADO DE ASSIS

Após a morte de Machado de Assis, todos os objetos que pertenceram ao escritor foram inventariados. O que mais chama a atenção nessa lista de bens avaliada pelos peritos é a grande quantidade de coisas velhas ou em mau estado. Na verdade, isso só prova que Joaquim Maria tinha pouco apego a bens materiais. Muitos de seus livros não se encontravam encadernados e nenhum deles possuía encadernação de luxo. Os seus móveis eram modestíssimos e grande parte deles estava estragado.
Abaixo, segue a lista de bens pertencentes ao espólio de Machado de Assis:

“Avaliação - Móveis existentes no prédio à rua Cosme Velho, n. 18: 1 Mobília de sala de jantar de vieux chène, constante de mesa elástica com 5 tábuas; 12 cadeiras; 2 étagères, 1 trinchante e 1 mesinha: 500$000; 2 Dunkerques de jacarandá, com espelho 100$000; 1 Grupo estofado, velho; (3 peças): 50$000; 1 Divã estofado (mau estado) 36$000; 1 Dito idem idem 30$000; 10 Cadeiras de bambu 30$000; 1 Conversadeira estofada (velha) 60$000; 2 Cadeiras de braço, estofadas, em mau estado 20$000; 1 Cadeira de balanço, idem 10$000; 4 Cadeiras de jacarandá 32$000; 1 Lavatório de canela, com espelho 80$000; 1 Guarda-vestidos vinhático, muito velho 50$000; 1 Guarda-casacas com frente de madeira (muito velho) 60$000; 1 Cômoda de canela (mau estado) 30$000; 1 Armário pequeno (canela) 30$000; 1 Aparador vinhático, com pedra mármore (mau estado) 20$000; 1 Guarda-comida de vinhático, em mau estado 5$000; 4 Cadeiras de vime, em mau estado 20$000; 1 Divã de palhinha, em mau estado 40$000; 1 Grupo de 2 cadeiras de balanças conjugadas, mau estado 10$000; 1 Porta-chapéu idem 10$000; 1 Cômoda com pedra mármore e espelho, mau estado 10$000; 1 Cômoda de vinhático, velha, em mau estado 5$000; 1 Cama de ferro nova 30$000; 1 Lavatório com pedra mármore em péssimo estado 5$000; 1 Sofá-cama, austríaco, em mau estado 5$000; 1 Secretária de vinhático 30$000; 1 Cadeira para secretária 10$000; 3 Armários envidraçados 30$000; 1 Estante de madeira 5$000; 2 Estantes de ferro 4$000; 1 Relógio de parede 15$000; 1 Jardineira de metal 15$000; 1 Espelho oval com guarnição dourada (estragado) 15$000; 2 Quadros a óleo (paisagem - cópias) 20$000; 1 Quadro a óleo (marinha) idem 10$000; 1 Quadro a óleo (figura) original de Pontorn 30$000; 2 Aquarelas de Pacheco 10$000; e Gravuras coloridas (paisagem) 20$000; 20 Quadros com gravuras diversas 40$000; 1 Serviço de lavatório (incompleto) 15$000; 1 Serviço de christofle constando de 1 colher para sopa, 1 pá para peixe, 4 facas grandes, 4 facas pequenas, 13 garfos grandes, 12 garfos pequenos, 5 colheres para sopa, 7 colheres para sobremesa, 11 colheres para chá (58 peças) tudo por 70$000; 1 Colher de metal 2$000; 3 Esteirinhas de palha 14$000; 1 Serviço de granito, constando de 1 terrina, 1 saladeira, 2 travessas, 1 prato coberto, 1 molhadeira, 1 fruteira, 19 pratos rasos, 1 prato fundo, 5 xícaras, 3 canequinhas para café, 10 pires avulsos, tudo 25$000; 12 copos de vidro (1/2 cristal) 10$000; 8 cálices de cores (vidro) 6$000; 7 cálices cristal para licor 5$000; 2 Garrafas cristal para licor 6$000; 2 Garrafas vidro para vinho 4$000; 1 Compoteira de vidro 1$000; 2 Fruteiras de vidro 2$000; 1 Fruteira vidro de cor 3$000; 2 Copos vidro de cor 1$000; 1 Bandeja metal (mau estado) 1$000; 1 Cesta de metal 2$000; 2 Bules e 1 açucareira metal (em mau estado) 5$000; 4 Taças de cristal para champanhe 5$000, 2 Toalhas e 4 guardanapos 14$000; 1 Lote de roupas de uso 2$000.

Livros - 400 volumes encadernados de diversos autores 600$000; 600 volumes em brochura de diversos autores 300$000; 400 Folhetos de diversos autores 120$000.
2:718$000 - Importa a presente avaliação na quantia de dois contos, setecentos e dezoito mil réis.”