segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Entre os dez e quinze anos

         


Largo do Rossio (Rio de Janeiro)

          Praticamente nada deste período se sabe a respeito de Machado de Assis, uma vez que em seus textos ele não se refere a esta fase de sua vida, silenciando por completo os episódios que lhe sucederam. Há, porém, muita especulação por parte dos biógrafos. Afirmam que, além de coroinha, o menino teria estudado num colégio feminino, aprendido francês com um padeiro, tomado aulas particulares com um padre camarada. Sabe-se que Francisco José havia arranjado um serviço para o rapazinho, colocando-o como caixeiro (balconista) em uma papelaria da cidade, mas o trabalho não agradou a Joaquim Maria, que nele permaneceu por apenas três dias. Não apresentava temperamento para o comércio e desde cedo ele tinha certeza de que o seu destino estaria ligado às letras, apesar da oposição de seu pai.
          Machado havia entendido que a única maneira dele conseguir mudar de vida seria através do estudo. Tem plena consciência de que a sociedade está dividida entre homens que possuem belas quintas, roupas novas e perfumadas, almoços e jantares fartos, sempre admirados e respeitados pelos seus pares, e homens que passam a vida toda se esfalfando num trabalho degradante, sujos, mal vestidos e mal alimentados. Bastava-lhe comparar como era a vida na casa de sua madrinha rica e a pobreza humilde que via na modesta casa de seus pais. Logo compreendeu que o destino não era justo e que para subir na vida e ter uma posição de destaque na sociedade, ele precisaria estudar com afinco e determinação, pois somente assim conseguiria atingir seus objetivos. Machado era um menino ambicioso, queria ser alguém, queria fazer parte daquele mundo que ele observava de longe e o único trampolim social que via diante de si era a instrução. Dotado de uma curiosidade intelectual inata, o rapazinho ia lendo tudo que lhe caía às mãos, buscando ajuda e conforto nos livros, os quais muito amava. Tanto que a única imagem que temos de Machado adolescente é dele segurando um livro, muito concentrado na leitura, enquanto vinha na barca de São Cristóvão para o centro. Talvez viesse para a Praça da Constituição - que é como se chamava ao tempo o Largo do Rossio - olhar a vitrine das livrarias, admirar aquele mundo urbano, cuja vida pulsava repleta de promessas e esperanças, tão próximo e ao mesmo tempo tão distante da periferia pobre em que vivia.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O COROINHA JOAQUIM MARIA




Igreja da Lampadosa (Jean Baptiste Debret - 1826)

          Foi um dos amigos da juventude de Machado de Assis, Francisco Ramos Paz, quem informou o biógrafo Alfredo Pujol que o escritor teria sido sacristão na igreja da Lampadosa. Esta é outra das inverdades que se costuma dizer a respeito do autor de Quincas Borba. Os investigadores da vida de Machado esmiuçaram todos os arquivos da velha ermida em busca de algum papel mofado que pudesse elucidar o caso. Trabalho em vão. Nunca se achou qualquer referência de que o escritor tenha ocupado tal ofício nesta igreja. Muito provavelmente foi coroinha, tocara sinos, ajudara missa e mais nada.
          A igreja da Lampadosa localizava-se perto da Praça da Constituição, junto à célebre casa que pertenceu a José Bonifácio. Ao final do dia, Machado deveria receber uma moeda e, feliz da vida, ia olhar as vitrines das lojas que vendiam livros. Ali perto ficava uma livraria famosa naquele tempo, a livraria de Paula Brito, que seria o primeiro grande incentivador de Joaquim Maria. O menino, tímido e receoso, deve ter entrado na loja muitas vezes para não comprar nada, apenas observar os livros nas estantes e as pessoas que freqüentavam o estabelecimento. Quanta gente importante comparecia àquela livraria, políticos de prestígio e escritores de renome!
          Coroinha ou sacristão, a verdade é que todo o tempo que ele permaneceu vinculado à igreja marcou-lhe definitivamente o espírito, tanto que há inúmeras referências ligadas ao universo cristão em sua obra. A própria igreja da Lampadosa é citada de maneira explícita no conto “Fulano”, publicado no livro Histórias Sem Data. Com o tempo, Machado tornou-se agnóstico, mas sempre escreveu sobre a igreja e assuntos religiosos com o mais profundo respeito. Verdade que alguma vez procurou satirizar a decadência dos costumes do clero, mas a sua crítica sempre buscava golpear os aspectos exteriores da religião e nunca a sua essência.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A CASA DO COSME VELHO (1)

       


Casa do Cosme Velho, 18
Nesta residência, Machado de Assis e Carolina
viveram grande parte da vida.

          Machado de Assis e Carolina já moravam há alguns anos na rua do Catete, quando o proprietário do imóvel pediu a casa. De uma hora para outra, o casal viu-se novamente obrigado a mudar de residência. Já estavam acostumados àquela moradia pequena, mas aconchegante, com grandes janelas na parte da frente, através das quais os transeuntes podiam ver o escritor e sua esposa conversando na sala.
          Com a morte de Rodrigo Pereira Felício, a Condessa de São Mamede, Joana Maria, herdara uma bela chácara nas Laranjeiras. Decidiu lotear sua propriedade e mandou construir no terreno quatro chalés, que ela resolveu alugar. Ao saber que Machado de Assis e Carolina estavam procurando uma nova casa, a condessa ofereceu-lhes o seu imóvel. A princípio, Joaquim Maria esteve para recusar a proposta, pois imaginava que não teria condições de arcar com o custo do aluguel naquele bairro elegante, mas Joana Maria afirmou que lhes cobraria a mesma importância que eles pagavam em sua residência anterior. Assim sendo, no início de 1884, o casal mudou-se para a rua do Cosme Velho, 18, onde permaneceria até o final da vida.
          Era uma ruazinha sossegada, bem ao gosto do escritor. O único inconveniente é que ela ficava um pouco longe do centro da cidade, para onde Machado teria de ir diariamente, tomando o bondinho das “Águas Férreas”. Diante de sua casa, havia um riachinho, ladeado por um pequeno muro de pedra. Era aí que ficava a famosa Bica da Rainha, onde dona Carlota Joaquina costumava vir lavar seu rosto, pois corria pela cidade a lenda de que tais águas tinham certas propriedades miraculosas, capazes de transformar em mulheres belíssimas aquelas que haviam sido pouco ajudadas pela natureza.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A CASA DO COSME VELHO (2)

          Entremos, pois, na casa do escritor. Ao abrirmos o portão de ferro, alto e de grade, a primeira coisa que nos chama a atenção é o jardim, com diversas plantas e até algumas árvores, onde os pássaros cantam livres, pois Machado nunca os quis ter em gaiolas. Do lado esquerdo de quem entra, está enterrada a cadelinha Graziela, companheira fiel do casal por tantos anos. No primeiro andar, vemos duas janelas, ladeando a porta de entrada, que dá para a sala de visitas. Este é o único ambiente da casa que o escritor permite que seja freqüentado pelos amigos. O restante da moradia, nem os mais íntimos conheciam. Poucos móveis compunham o mobiliário da sala: um sofá, uma mesinha, cadeiras e alguns quadros, como o de Beatriz e Dante, além de alguns retratos de amigos: Joaquim Nabuco, Salvador de Mendonça e Magalhães de Azeredo. Também se encontravam emoldurados algumas folhas secas, relíquias que os companheiros de letras lhe mandavam de presente ao viajarem para o exterior: as folhas do salgueiro que deitavam sombra sobre o túmulo de Musset e o ramo do carvalho de Tasso, que seria entregue a Machado numa das reuniões da Academia Brasileira de Letras.
          Além da sala de visitas, havia ainda no andar de baixo uma espaçosa cozinha, uma saleta, onde Carolina costumava costurar e bordar e uma varanda que saía para o quintal. No andar de cima, três amplas janelas davam para o jardim. O quarto era voltado para a frente e possuía, além de uma grande cama de casal, alta e larga, uma cômoda com espelho. Havia também um quarto pequeno, que era utilizado para vestir, com guarda-roupa, lavatório e cômoda. Ao lado, ficava o escritório de Machado de Assis, onde ele escreveu grande parte de suas obras-primas. Era a única parte da casa que Carolina tinha ordens expressas de não arrumar nada. O escritor estava acostumado com aquela bagunça, com seus livros, jornais, brochuras, tudo espalhado e misturado por toda parte. Uma das portas do escritório dava acesso a uma varanda, com vista belíssima, mas Joaquim Maria pôs diante dela um enorme armário envidraçado. Isto demonstra bem que ele nunca teve uma grande sensibilidade visual. Poderia buscar inspiração admirando as montanhas, mas preferia a reclusão de seu gabinete.
          A casa do Cosme Velho custava ao casal a importância de cento e trinta mil réis mensais. Por toda sua vida, Machado de Assis nunca teve casa própria, embora possuísse recursos para adquirir um imóvel, caso desejasse.



Escrivaninha de Machado de Assis,
onde ele escreveu grande parte de sua obra.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Machado e a Monarquia 1

          E como Machado de Assis teria visto a proclamação da república? Embora ele nunca tenha se expressado claramente a este respeito, sabe-se que o escritor via a monarquia de maneira simpática. Tinha grande admiração por D. Pedro II e chegara mesmo a freqüentar o paço imperial algumas vezes, como prova a sua assinatura no livro de presenças. Se exultou com a abolição dos escravos, não aconteceu o mesmo ao receber a notícia de que a república havia se instalado no país. Em seu íntimo, estava convencido de que a monarquia parlamentarista era o regime ideal e nunca acreditou no presidencialismo à maneira americana. Na verdade, sabia que pouca serventia teria a mudança de regime, uma vez que os políticos que disputavam o poder eram sempre os mesmos. Para Joaquim Maria, estava claro que os graves problemas nacionais não seriam resolvidos apenas com o advento da república.
          Se durante sua juventude Machado de Assis demonstrava certa tendência liberal, com a maturidade o seu temperamento foi se tornando cada vez mais conservador, explicado em parte por suas funções no Ministério, que exigiam discrição em suas opiniões. Não é que ele fosse contra a república, mas imaginava que o novo sistema pudesse descambar para a anarquia, alterando a rotina de seus hábitos. Depois que encerrou em agosto de 1889 a sua coluna “Bons Dias!” na Gazeta de Notícias, ausentou-se dos jornais durante algum tempo, como se estivesse traumatizado com o golpe da república. Quase nada escreveu a respeito, assistindo com certa antipatia o afastamento de D. Pedro II. Apenas registrou de maneira humorística estes eventos no Esaú e Jacó, no célebre episódio em que o proprietário de um estabelecimento comercial não sabia o que escrever na tabuleta de sua loja, se confeitaria do império ou da república.



Paço Imperial,
freqüentado por Machado de Assis algumas vezes.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Machado e a Monarquia 2

        
          Um episódio muito curioso, narrado por quase todos os biógrafos do escritor, é o que diz respeito à retirada de um retrato de D. Pedro II, que estaria pendurado numa das paredes de sua diretoria. Segundo a lenda, mal fora proclamada a república, alguns funcionários simpáticos ao novo regime vieram retirar o retrato do local em que ele havia permanecido por longos anos. Consta que Machado de Assis não permitiu a sua remoção, dizendo: “Entrou aqui por uma portaria, só sairá por outra portaria”.
          Ora, estas supostas palavras colocadas na boca de Joaquim Maria levaram alguns estudiosos mais afoitos a acusá-lo de bajulador. Nada mais falso. Machado de Assis gostava de fato de D. Pedro II e, durante toda sua vida, jamais escreveu qualquer palavra contra o imperador. Apesar de seus sentimentos monarquistas, aceitou a república como um fato consumado, como o Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco e tantas outras personalidades da época. Além do mais, o escritor não poderia ter dito aquelas palavras, pois toda gente sabe que retratos não são pendurados em paredes através de portarias...



Dom Pedro II, por quem Machado de Assis
tinha grande admiração.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

FAUSTINO XAVIER DE NOVAIS (1)



      Faustino Xavier de Novais nasceu na cidade do Porto, a 17 de fevereiro de 1820. Filho de Antônio Luís de Novais e Custódia Emília Xavier de Novais (sogros de Machado de Assis), era o filho mais velho das seis crianças que o casal gerou: Faustino, Miguel, Henrique, Adelaide, Emília e Carolina, a caçula. Recebeu apenas instrução elementar, tendo sido autodidata. Aos oito anos já compunha versos. Trabalha na loja de seu pai como relojoeiro e ourives e, depois, emprega-se no Banco Mercantil Portuense. Com o pseudônimo de Saturno, escreve no Periódico dos Pobres do Porto (não confundir com o jornal homônimo, publicado no Brasil, onde Machado publicou seu primeiro soneto). Entre 1852 e 1853, encontramos Faustino dirigindo a revista literária O Bardo, que se caracterizava pela sátira violenta e pela zombaria mordaz. É provável que por causa dessas sátiras tenha sido obrigado a deixar o Porto e vir para o Brasil, embora Camilo tenha dito que ele fugira para o Rio de Janeiro por causa de “um amor baixo, ignóbil até a miséria.” Seja como for, chegou aqui já casado, pois aos trinta e cinco anos contraiu matrimônio com Ermelinda Novais, mas se sabe que o poeta não se dava com ela, que tinha mau gênio. Em 1855, ano de seu casamento, publica um livro intitulado Poesias, que recebeu boa acolhida por parte da crítica. Entretanto, morar no Porto não era fácil para um poeta satírico de língua afiada como ele, que vivia ofendendo sensibilidades e fomentando ódio e inimizades.

sábado, 31 de outubro de 2009

FAUSTINO XAVIER DE NOVAIS (2)

    
      O comendador Rodrigo Pereira Felício, futuro Conde de São Mamede, viaja para a Europa em companhia de sua esposa, Joana Maria, antiga aluna do Colégio das Meneses, que conheceu Machado de Assis baleiro. Em Portugal, Rodrigo Pereira Felício trava boa amizade com Faustino, sugerindo que ele venha conhecer o Brasil. O poeta bem que gostaria, mas não tem como arcar com os custos da viagem. Passam-se três anos e Rodrigo compra passagens de navio para o poeta e sua senhora, enviando-as de presente para eles. Em 2 de junho de 1858, poucas semanas antes da chegada de Ribeyrolles ao Rio de Janeiro, Faustino Xavier de Novais e sua esposa Ermelinda desembarcavam no Brasil, tendo viajado a bordo do navio Tamar. Casimiro de Abreu dá as boas-vindas ao poeta em versos:

“Bem-vindo sejas, poeta
A estas praias brasileiras!
Na pátria das bananeiras
As glórias não são demais:
Bem-vindo, ó filho do Douro,
À terra das harmonias!
Quem tem Magalhães e Dias
Bem pode saudar Novais!”

     Porém, pouco tempo a esposa do poeta suportou a nova vida. Já em 1860, Faustino despacha-a de volta a Portugal. A partir de 1862, o poeta hospeda-se no Rio Comprido, em casa de dona Rita de Cássia Calasans Rodrigues, filha solteirona e cinqüentona da Baronesa de Taquari, dona Maria da Conceição Calasans Rodrigues. Escreve constantemente cartas a Camilo Castelo Branco, dizendo-lhe que não possui um vintém sequer, mas tem casa e comida de graça. Numa dessas cartas, o autor de Amor de Perdição confessa que, se seus problemas se agravassem e ele tivesse de escolher entre o suicídio e o Brasil, era capaz dele escolher o Brasil. Faustino não se acostumava com os hábitos da terra e escrevia ao amigo coisas horríveis a respeito do Rio de Janeiro e sua gente. Tanto que Camilo preferiu não vir para o Brasil, escolhendo anos mais tarde o suicídio.



Camilo Castelo Branco, que preferiu o suicídio
a vir para o Brasil.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

FAUSTINO XAVIER DE NOVAIS (3)



     Na residência da Baronesa de Taquari, Faustino fez amizade com muitos intelectuais do tempo, pois aí se costumava realizar um dos melhores salões lítero-musicais do Rio de Janeiro. A idéia de Faustino era enriquecer no Brasil e, novamente com a ajuda de Rodrigo Pereira Felício, abre uma casa comercial na rua Direita, n. 66, onde se vendia um pouco de tudo, desde livros e artigos de papelaria até perfumes e charutos. Faustino tinha barba passa-piolho, que foi a primeira barba do romantismo (somente no tempo da Guerra do Paraguai é que apareceram os cavanhaques e as suíças). Um de seus passatempos preferidos era tocar flauta. Poeta sem grande talento, mas hábil versejador, Faustino deixou algumas poesias que se tornaram populares, como esta que ele escreveu num álbum:


“Num álbum escrever é negra empresa,
De que o vate jamais sai triunfante.
Se é no canto singelo, - é ignorante,
Se é pomposo, - renega a natureza.

Se não cita ninguém mostra pobreza,
Se faz mil citações é um pedante;
Se é pródigo em louvor, - repugnante,
Se não louva, - não tem delicadeza.

Se dá cantos de amor, - é um baboso,
Se em prosa escreve só, - quer ser rogado,
Se escreve prosa e verso, - é orgulhoso.

Se enche muito papel, - é um desalmado,
Se breve assunto escolhe, - é preguiçoso,
Se recusa escrever, - é um malcriado.”

terça-feira, 29 de setembro de 2009

FAUSTINO XAVIER DE NOVAIS (4)

      Sabe-se que Faustino trabalhou no serviço de estatística da Praça do Comércio, uma espécie de bolsa de valores da época. Do dinheiro que ganhava, sempre remetia uma parte para seu pai, que continuava morando na cidade do Porto e agora passava por dificuldades financeiras. A morte de sua mãe em 1867 contribuiu para acelerar ainda mais a loucura de Faustino. Ele agora precisava de cuidados especiais e sua irmã, Carolina, veio também para o Brasil a fim de lhe servir como enfermeira. Vivia irritadiço e era comum esquecer nomes e as coisas. A conselho médico, Faustino e Carolina vão atrás de melhores ares em Petrópolis, mas todo esforço é em vão. Sem qualquer melhora, eles retornam ao Rio de Janeiro e vão morar numa casa de Ernesto Cibrão, localizada na rua Marquês de Abrantes. Camilo, que o havia citado em seu romance Eusébio Macário, afirmava que, ainda no tempo em que Faustino morava no Porto, ele apresentava momentos de “intermitências de tristeza negra”.

      Morre Faustino Xavier de Novais a 16 de agosto de 1869, pouco antes do casamento entre Machado e Carolina. Praticamente quase toda a edição de 29 de agosto da Semana Ilustrada, onde Joaquim Maria vinha colaborando desde 1860, foi dedicada ao desaparecimento do poeta, publicando-lhe nota biográfica, algumas de suas poesias e um poema que Machado de Assis escreveu em sua homenagem. Os dois haviam se conhecido no Grêmio Literário Português, através de Augusto Emílio Zaluar, e ficaram mais íntimos durante o convívio na redação da revista O Futuro.

sábado, 26 de setembro de 2009

AUGUSTO EMÍLIO ZALUAR


Augusto Emílio Zaluar nasceu em Lisboa no dia 25 de fevereiro de 1825. Machado de Assis o conheceu na sua juventude e tornaram-se bons amigos. Estudou Medicina durante algum tempo e, moço, emigrou para o Brasil. Escreveu diversos volumes de versos, contos e romances, mas seu único livro importante de fato que chegou até nossos dias é Peregrinação Pela Província de São Paulo. Naturalizou-se brasileiro e acabou recebendo o título de Cavaleiro da Ordem da Rosa em 1876. Foi o redator-chefe do jornal O Paraíba, onde Machado iria colaborar assiduamente. Sobre Augusto Emílio Zaluar, narra Sacramento Blake um caso curioso. Estava ele traduzindo para um jornal fluminense o romance Moicanos de Paris, de Alexandre Dumas, à medida que chegavam os folhetins franceses ao Brasil. Romance enorme, que não acabava mais. A certa altura, Dumas interrompeu o romance por motivos particulares. O que fez Zaluar? Simplesmente terminou o romance por sua conta, dando a ele um final que Alexandre Dumas nunca teria imaginado. Pior de tudo aconteceu depois, quando o francês retomou o livro e os folhetins passaram a chegar novamente ao Rio de Janeiro. Augusto Emílio Zaluar não teve dúvidas e continuou sua tradução normalmente, como se já não tivesse rematado o livro meses antes. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro a 3 de abril de 1882.

Se você quiser conhecer mais sobre a vida e obra de Machado de Assis, anedotas e curiosidades, adquira o livro Memorial do Bruxo clicando no link:

http://clubedeautores.com.br/book/4900--MEMORIAL__DO__BRUXO



segunda-feira, 21 de setembro de 2009

GRAZIELA

Um caso curioso ocorrido durante a temporada em que Machado e Carolina encontravam-se em Nova Friburgo (dezembro de 1878 a março de 1879) foi o desaparecimento da cachorrinha do casal. Chamava-se Graziela, nome retirado de uma heroína romântica de Lamartine e era uma tenerife branca, de pêlos felpudos e encaracolados. Como eles não tinham filhos, eram muito apegados a essa cadelinha, que teve seu lugar até mesmo no Memorial de Aires. Graziela dormia numa cesta de vime, que ficava ao lado da cadeira de braços “Romeu e Julieta”. Um dia, ela aproveitou um descuido de Clara, a empregada que ficara responsável por alimentá-la durante aquele período, descobriu o portão da casa aberto e fugiu para a rua. Tragédia! Ao serem informados daquela infelicidade por telegrama, Machado e Carolina ficaram transtornados. Imediatamente, Joaquim Maria mandou publicar na Gazeta de Notícias e no Jornal do Comércio um anúncio, prometendo dar uma recompensa de cem mil réis para quem trouxesse de volta a cachorrinha. Graziela foi encontrada no início de março para alívio do casal; ela ainda viveu na companhia deles por um bom tempo, tendo falecido em idade avançada, já quase cega e sem dentes. Certa feita, Joaquim Maria e Carolina deixaram de visitar a residência do casal Rodolfo Smith de Vasconcelos e sua esposa, a Baronesa Eugênia, aonde iam quase todas as noites para jogar e conversar. Indagada a respeito do motivo daquelas ausências, Carolina respondeu com olhos molhados: “A Graziela morreu...”. O próprio Machado de Assis enterrou a cadelinha com seu cesto e tudo no jardim da frente. Algum tempo depois, arrumaram outro cachorro, um pretinho de nome Zero, mas que não teve vida longa.

Machado adorava cães, sobretudo a Graziela, companheira de vários anos. Tanta afeição resultou num soneto, que o escritor escreveu em memória de sua querida cachorrinha. Intitulado “Um Óbito”, este poema jamais foi reunido em livro e é pouco conhecido, tendo sido publicado pela casa Lombaerts no seu famoso Almanaque das Fluminenses, para o ano de 1892:

“UM ÓBITO

Este silêncio inda me fala dela,
Como que escuto ainda os seus latidos,
Vagos, remotos, sons amortecidos,
Da vida que nos fez a vida bela.

Boa, coitada, boa Graziela,
Companheira fiel dos anos idos,
Querida nossa e nós os seus queridos,
Conosco dividiu a alma singela.

Tivemos de outras afeições que a asa
Do tempo, ingratidão, fastio, intriga,
Qualquer cousa desfaz, corrompe, arrasa.

Tudo se liga e tudo se desliga,
Mas porque não ficou em nossa casa,
Esta que foi nossa constante amiga?”

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

SOCIEDADE INTERNACIONAL DE POETAS


No ano de 1874, Joaquim Maria recebeu uma carta que certamente o deixou muito orgulhoso. O remetente era o poeta francês Catulle Mendès e o assunto dizia respeito à fundação de uma espécie de clube literário mundial, que congregaria poetas e escritores de todo o planeta. Não se sabe ao certo como o francês descobriu o endereço de Machado de Assis, mas é provável que tenha sido através de Joaquim Nabuco, que se encontrava em Paris, onde deve ter conhecido Catulle Mendès, ou ainda através de Artur de Oliveira. A intenção do poeta era organizar uma filial na América Latina e ele deve ter sondado os intelectuais brasileiros que freqüentavam os círculos literários de Paris a respeito de quem seria a pessoa mais indicada no país para se desincumbir de tal tarefa. Naturalmente, fora ventilado o nome de Machado e Catulle Mendès logo lhe escreveu uma carta, explicando o projeto. Victor Hugo havia sido eleito presidente da Sociedade Internacional de Poetas e ele próprio ficara com o cargo de secretário-geral.

Machado de Assis entusiasmou-se com a idéia e logo procurou organizar a filial brasileira, entrando em contato com alguns poetas que lhe pareceram os mais representativos daquele período, como Joaquim Serra, Rosendo Moniz Barreto, Bittencourt Sampaio e Franklin Dória. Em carta a este, dizia:

“Meu caro amigo Sr. Dr. F. Dória - Precisava falar-lhe acerca de um assunto, que é todo relativo a poesia e poetas; em tais casos o seu nome é dos primeiros lembrados. Recebi uma carta do Sr. Catulle Mendès, distinto poeta da nova geração francesa, comunicando-me a existência de uma Sociedade Internacional de Poetas, sob a presidência de Victor Hugo, e já estabelecida na Áustria, Inglaterra, Itália e outros países; e convidando-me a iniciar aqui a seção brasileira. A carta veio acompanhada dos estatutos, que me parecem muito vantajosos para a poesia brasileira e seus cultores. Não sei se poderá fazer aqui o que o Sr. Catulle Mendès deseja; em todo caso precisamos entender-nos com alguns moços.”

Machado de Assis dedicou-se bastante a esta empresa, explicando aos poetas a importância de tal sociedade. Porém, todo o seu esforço foi em vão, pois o projeto não foi adiante no Brasil.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

VISITA DO BARÃO DO RIO BRANCO


Um dia antes de falecer, Machado de Assis recebeu a visita do Barão do Rio Branco. O estado de saúde do escritor era crítico, mesmo assim, ao ouvir ser anunciada a presença de pessoa tão ilustre, ele se esforçou tremendamente para se sentar na cama a fim de melhor receber o companheiro de academia. Segundo Francisca de Basto Cordeiro, que também se encontrava presente, a cena gravou-se para sempre em sua memória. Com a face iluminada por um resto de vida, Joaquim Maria estendeu seus braços para receber um abraço fraternal, mas o barão esquivou-se, limitando-se apenas a lhe apertar levemente a mão. Em seguida, muito constrangido, Rio Branco disse algumas palavras breves:

“- Então o que é isto, Machado? Está melhor, não é? Amanhã voltarei a vê-lo...”

José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, nem esperou pela resposta e retirou-se o mais rápido que pôde, fingindo não ver a cadeira que trouxeram para ele se sentar ao lado do moribundo. Machado de Assis caíra na cama, mortalmente ferido, humilhado, tendo sua sensibilidade sido ofendida de maneira irreparável. O escritor virou-se para a parede e mais nada falou, pois sua alma morrera naquele instante. Para completar a humilhação, todos que se encontravam no quarto ainda puderam ouvir o barão lavando as mãos num tanque que havia ali ao lado, como se temesse pegar alguma doença contagiosa. Do corredor, alguém gritou solícito, procurando ser gentil:

“- Uma toalha limpa para o Barão!”

E o escritor morreria na madrugada seguinte, desiludido com a vida e com os homens.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

VIEIRA DE CASTRO


Machado de Assis já estava para deixar o Diário do Rio de Janeiro, quando escreveu um artigo sobre o orador português Vieira de Castro. Publicado a 22 de fevereiro de 1867, este texto foi o último que Joaquim Maria dedicou à crítica literária nesse jornal. Nascido no Porto, Vieira de Castro era um dos homens públicos mais populares de seu tempo. Em Portugal, desde cedo fez fama de orador incomparável, escrevendo notáveis discursos parlamentares. Amigo particular de Camilo Castelo Branco, escreveu-lhe a sua biografia, intitulada Camilo Castelo Branco - Notícia de Sua Vida e Obra. Machado de Assis foi assistir a uma das preleções que Vieira de Castro fez no Rio de Janeiro e ficou encantado com o que viu e ouviu:

“Antes de termos ouvido a palavra eloqüente do Sr. Dr. Vieira de Castro, apenas levados pela fama que o precedeu, fomos ansiosos escutá-lo e aplaudi-lo. Se era assim antes, muito mais será agora que já pudemos apreciar os seus raros méritos e avaliar a legitimidade de sua reputação.”

Conta Josué Montello que Machado de Assis guardava em seus arquivos uma carta que ele recebera do próprio Vieira de Castro. Pelas palavras do português, percebe-se que ele procurava demonstrar certa intimidade com Joaquim Maria:

“Meu querido Machado de Assis - Como vai você, meu adorável poeta? - Aí lhe apresento o Dr. Silveira Ferreira, notável professor da U. de Coimbra, talento elevado e clínico peritíssimo. Proteja-o com o seu grande talento e faça-lhe as honras da imprensa, sim? - Eu mando um milhão de abraços e de profundíssimas saudades ao meu querido Machado de Assis.
O seu
Vieira de Castro.”

Teria Machado de Assis apreciado estas manifestações de puro derramamento, ele que confessou não gostar de pessoas “derramadas” ou muito salientes? Além do mais, outra observação merece registro. Joaquim Maria não teria se inspirado em Vieira de Castro, que usava e abusava dos superlativos, para caracterizar anos mais tarde o José Dias de Dom Casmurro?

Seja como for, o português aqui chegou para tirar proveito de sua fama e vender aos cariocas milhares de discursos parlamentares que ele trouxe assinado. Conseguiu mais do que isso. Introduziu-se na alta sociedade do Rio de Janeiro e convenceu os pais da jovem e rica Claudina Adelaide Guimarães a tomá-la por esposa. O casal contraiu matrimônio a 28 de fevereiro de 1867, tendo sido amplamente divulgado pela imprensa. Conta-se que Vieira de Castro recebeu um enorme dote pelo casamento. Porém, não viveram felizes para sempre e o desfecho desta história de amor é dos mais trágicos. Após eles terem voltado para Lisboa, indo morar na rua das Flores, Claudina tornou-se amante de José Maria de Almeida Garrett, sobrinho do célebre poeta. Tendo Vieira de Castro descoberto o caso, planejou uma cruel vingança para lavar a sua honra ultrajada. Cloroformizou a esposa e acabou por estrangulá-la com as próprias mãos. Condenado pelo crime brutal que cometera, Vieira de Castro foi degredado para a África, onde morreu pouco tempo depois, no final de 1872, em Luanda, Angola.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A PRIMEIRA MUSA DE MACHADO DE ASSIS


Como todo rapaz sonhador, Machado não podia deixar de compor poesias românticas. Aos 16 anos, escreveu uma série de poemas de amor para alguma mocinha que ele não quis revelar e que os críticos batizaram de “ciclo de poesias dedicadas à primeira musa”. Ao todo, são 6 poemas oferecidos a uma cantora italiana, escondida sob o nome de Júlia. Sabe-se que, nessa época, não havia nenhuma atriz ou cantora italiana com esse nome atuando na cidade do Rio de Janeiro. Por causa deste mistério, aventaram-se diversos nomes de possíveis atrizes líricas que poderiam ter despertado tal paixão no peito do jovem Joaquim Maria. Alfredo Pujol sugere o nome de Annetta Casaloni, uma das rivais da Charton. Já o professor Jean-Michel Massa acredita que a mulher em questão seria Augusta Candiani.


Tornara-se muito comum escrever poesias e dedicá-las às cantoras de ópera. Era um tempo em que as mulheres de família quase não colocavam os pés nas ruas, de maneira que restavam aos rapazes apaixonados ou as prostitutas ou essas atrizes cobertas de glória. Na verdade, elas tinham incontáveis adoradores, que duelavam pelos jornais, cada qual defendendo em versos a sua musa. Houve mesmo uma verdadeira batalha nas gazetas entre as facções casalonistas e as chartonistas. Cada poeta tinha a sua dama para louvar, uma autêntica transposição moderna do amor cortês. Quando uma delas entrava no palco, os seus admiradores cobriam-na com pétalas de rosas, enquanto os adversários deitavam vaias e assobios.


Machado adorava ópera e teatro, mas era pobre e quase nunca conseguia dinheiro para assistir aos espetáculos. Mais de uma vez, deve ter ficado junto à porta, do lado de fora do teatro, observando o alegre movimento, admirando todas aquelas carruagens e pessoas elegantes. Sabia que diversão daquela espécie não era para gente como ele, pelo menos enquanto não arranjasse um bom emprego e pudesse pagar o preço do ingresso. De qualquer forma, é provável que tenha visto algumas atrizes entrando ou saindo do teatro, de longe e rodeadas por muitos outros admiradores. Depois, retornaria para sua humilde casa lá no bairro de São Cristóvão e no silêncio triste do seu quartinho mal iluminado, pegava da pena e se punha a escrever poemas românticos, onde procurava expressar seu amor platônico:

Meu Anjo

“És um anjo de amor - um livro d’ouro
Onde leio o meu fado
És estrela brilhante do horizonte
Do bardo namorado
Foste tu, que me deste a doce lira
Onde amores descanto.


Lúcia Miguel Pereira também sugere que a mulher amada seria a Casaloni, uma cantora de ópera muito famosa naquela quadra. A título de curiosidade, observe-se como uma crônica da época descreve a artista:

“A Casaloni tem o aspecto viril, o meneio precipitado, displicente, a fronte arquejada, bojuda, os olhos verdoengos, grandes, sem ação, retentos, atontados. Tem a cútis adensada, as espáduas largas, o talho agigantado, as proporções da antiga Palas, as carnes flácidas, o peito inflexo, espaçoso”.

Pela descrição, notamos que a natureza não fora muito generosa com a Casaloni, no tocante à beleza e demais atributos físicos. Se não era bela, também não era jovem e a verdade é que ela conquistava seus admiradores através de sua voz poderosa, que fazia tremer até os tetos dos teatros. Segundo Machado, ela tinha um vozeirão que valia por toda uma companhia. A seguinte quadra de Francisco Otaviano bem define a Casaloni:

“Que importa que digam que é velha, que é feia,
Que pinta o cabelo, que enfeita o carão,
Se as vozes que partem daquela sereia
Despertam nas almas suave emoção.”

sábado, 18 de julho de 2009

MACHADO DE ASSIS CANDIDATO?

Em 1865, os liberais chegam ao poder e Saldanha Marinho, diretor do Diário do Rio de Janeiro, é nomeado presidente da província de Minas. Político liberal, Saldanha Marinho foi a primeira pessoa a assinar o Manifesto Republicano de 1870. Assim como José de Alencar, ele também cortara relações com D. Pedro II, pois este o havia preterido para o cargo de senador. Anticlericalista radical e chefe maçom, Saldanha Marinho desempenhou tão bem seu cargo de presidente da província de Minas, que Zacarias o nomeou para governar a província de São Paulo, onde permaneceu até outubro de 1867, quando subiram ao poder os conservadores. Machado de Assis, enquanto foi funcionário do Diário do Rio de Janeiro, freqüentou-lhe muito a casa, onde conheceu diversas personalidades políticas da corte. Saldanha Marinho faleceu no ano de 1895.
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Em Ouro Preto, Saldanha Marinho tem como seu secretário particular Henrique César Múzzio, outro funcionário do Diário do Rio de Janeiro e amigo de Machado de Assis. Durante algum tempo, o jornal fica sob a direção de Quintino Bocaiúva, mas em breve este também teria de se afastar para cumprir uma missão nos Estados Unidos. Com isso, Machado vê seu trabalho aumentar enormemente, pois todo serviço agora passa a acumular sobre as suas costas. Mas o aumento de trabalho não veio acompanhado de um acréscimo em seus vencimentos. É tanto serviço e tão mal remunerado, que Joaquim Maria começa a pensar seriamente em sair desse emprego. Para sobreviver, faz traduções para seu amigo Furtado Coelho, como O Anjo da Meia-noite e O Barbeiro de Sevilha, além de traduzir o romance de Victor Hugo, Os Trabalhadores do Mar, publicado em folhetim pelo Diário do Rio de Janeiro entre março e julho de 1866.

O jornal Opinião Liberal, que mais tarde seria transformado em A República, era dirigido por Rangel Pestana e Limpo de Abreu. No dia 12 de maio de 1866, na seção “Jornal de Confúcio”, publicou a seguinte notícia:
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“CANDIDATOS À FUTURA CÂMARA DOS DEPUTADOS

O Sr. Sizenando Nabuco pelo 3o. distrito do Rio de Janeiro.
O Sr. Conselheiro Pedrosa pelo 4o. distrito da mesma província.
O Sr. Quintino pela Corte.
O Sr. Machado de Assis pelo 2o. distrito de Minas.
O Sr. José Caetano dos Santos teima em ser candidato pela corte.”

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Teria Machado de Assis se candidatado a deputado para a legislatura de 1867-68? Teria em sua juventude acalentado o sonho de entrar para a política? É provável que em seu íntimo ele nutrisse com carinho essa idéia, apoiada pelo fato de que muitos de seus personagens entraram para a Câmara dos Deputados. Todavia, a sua natureza pouco expansiva, a dificuldade em se expressar de improviso, o horror de falar em público por causa de sua gagueira, foram fatores decisivos para demovê-lo dessa idéia. Mas em 1866, quando a notícia foi publicada, ele não chegou a desmenti-la pelos jornais.

Também a revista ilustrada Pandokeu colaborou para divulgar essa pretensa candidatura de Machado de Assis. Na capa de sua edição de número trinta e oito, havia a caricatura de Machado, Quintino e Múzzio, onde eles eram apontados como canditados a deputados, impostos pela vontade do presidente da província mineira, Saldanha Marinho.

Logo, porém, o jornal Opinião Liberal corrigiu a notícia dada duas semanas antes, afirmando que “o Sr. Machado de Assis retirara a sua candidatura”. Joaquim Maria, porém, nunca fora candidato e jamais ocuparia qualquer cargo político em toda sua vida.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

BAPTISTE LOUIS GARNIER * * * * * * * * Um editor de Machado de Assis

Baptiste Louis Garnier chega ao Rio de Janeiro em meados da década de 1840, estabelecendo na rua do Ouvidor uma filial da livraria que ele e seu irmão, Hypollite Garnier, tinham em Paris. A princípio, a loja vendia produtos importados da França, como bengalas e charutos, perfumes e até remédios. Com o tempo, os livros foram se tornando o carro-chefe da casa e Garnier resolve mandar traduzir obras francesas, que ele faz imprimir no Brasil, na tipografia de Charles Berry. Em 1873, adquire um parque gráfico e funda com o amigo a Impressora Franco-Americana. A partir de 1859, passa a publicar a Revista Popular e, com o desaparecimento desta, edita o Jornal das Famílias, que teria longa vida.

Conta-se que B. L. Garnier era um sujeito ativo, mas muito resmungão e, principalmente, sovina. Ao receber sua correspondência, a primeira coisa que fazia era olhar o selo; às vezes, eles encontravam-se sem carimbo e, dessa forma, poderiam ser utilizados novamente. Mas mesmo que os selos estivessem carimbados, Garnier guardava-os para os vender a colecionadores de Paris. Nunca freqüentou teatros e, se ia a restaurantes, era seu costume, ao fim das refeições, raspar o prato com um pedaço de pão, a fim de aproveitar todo o resto do molho. Era trabalhador, abrindo sua livraria sempre às cinco horas da manhã. De sua escrivaninha, vigiava tudo e jamais permitiu a seus funcionários utilizarem fósforos de cera, com receio de incêndios. Durante muitos anos, foi o fornecedor oficial de livros do imperador, que fez dele Comendador da Ordem da Rosa. Morreu em 1893, deixando imensa fortuna de quase sete mil contos para seu irmão. Por causa das iniciais de seu nome, B. L. Garnier era chamado pelos amigos de “bom ladrão”.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

A MÃE DE MACHADO DE ASSIS * * * * * MARIA LEOPOLDINA MACHADO DA CÂMARA - Parte I

Segundo filho do casal Estevão José Machado e Ana Rosa da Câmara, Maria Leopoldina nasceu no dia 7 de março de 1812, na cidade de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, nos Açores. Portanto, a mãe de Machado de Assis era branca e não negra como afirmaram alguns biógrafos. O sempre bem informado Augusto Meyer chegou mesmo a declarar que ela teria olhos azuis, como a maioria das mulheres de São Miguel. Outro erro muito comum que se costuma atribuir à biografia de Maria Leopoldina é alegar que ela era lavadeira. Isso é uma grande bobagem, uma vez que no século XIX cabia apenas às escravas esse tipo de serviço. Não existiam lavadeiras assalariadas. Talvez ela cozinhasse, engomasse, bordasse, fizesse trabalhos de costura e até mesmo lavasse roupa uma vez ou outra, ajudando nas tarefas domésticas, mas daí a dizer que esta era a sua profissão vai uma grande diferença. Há de se ficar bem claro que Maria Leopoldina não era escrava, mas uma pessoa livre, que vivia como agregada na Chácara do Livramento, onde ela era muito estimada pela proprietária, dona Maria José.

E como ela teria chegado à Chácara do Livramento?

Nas primeiras décadas do século XIX, houve uma grande emigração de açorianos para o Brasil. Isto se deu por dois motivos básicos. Primeiro porque, naquela época, a população existente nas ilhas era extremamente pobre, não havia alimentos para todos e muitos foram obrigados a abandonar suas famílias para não morrerem de fome. Segundo, porque a Inglaterra passou a colocar uma série de empecilhos para dificultar cada vez mais o tráfico de escravos africanos, chegando mesmo a perseguir os navios negreiros. O rendoso comércio de negros já não era mais o mesmo e a saída encontrada foi buscar “trabalhadores livres” açorianos para substituir a falta de mão-de-obra na lavoura. Isto porque havia uma lei que não permitia o tráfico de escravos, mas autorizava o transporte de açorianos nos mesmos navios negreiros, quase sempre em condições desumanas. As pessoas se amontoavam feito animais em porões fétidos, na mais absoluta falta de higiene, e assim atravessavam o oceano que parecia não ter mais fim. Esse modo de comércio transformou-se numa alternativa rendosa para os traficantes. Quem estivesse interessado em contratar algum trabalhador desembarcado no Brasil, pagava ao capitão do navio a quantia estabelecida por ele, ou seja, o valor da passagem. Não se tratava, portanto, de uma compra simples como era feito com relação aos escravos e, em teoria, o trabalhador açoriano não pertencia a ninguém. Todavia, era uma liberdade simplesmente no nome. O contrato estabelecido é que ele teria de trabalhar para o senhor até saldar sua dívida, que, em muitos casos, durava a vida toda. Inúmeras açorianas caíram na prostituição e fica muito evidente que a situação desse emigrante não era em nada diferente que a de um escravo.

Acredita-se que Maria Leopoldina tenha vindo para o Brasil numa dessas levas de açorianos, espremida como gado num navio negreiro.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A MÃE DE MACHADO DE ASSIS * * * * * MARIA LEOPOLDINA MACHADO DA CÂMARA - Parte II

Uma das questões mais controversas na biografia da mãe de Machado é saber se Maria Leopoldina chegou ao Brasil já moça ou ainda menina. A opinião dos estudiosos divide-se radicalmente quanto a isso e creio que nunca haverá um consenso, uma vez que não há dados concretos sobre este assunto. Por minha parte, estou inclinado a acreditar que ela chegou aqui por volta dos três anos, ou seja, em torno de 1815. Esta hipótese, defendida por alguns comentadores da obra de Machado, é fundamentada por dois fatos principais.

Gondin da Fonseca, que esmiuçou a vida de Machado por todos os lados, chegando, inclusive, a viajar para os Açores, encontrou o assento de batismo da mãe do escritor na igreja de São Sebastião, localizada na cidade de Ponta Delgada. Curiosamente, os pais dela batizaram a menina simplesmente como Maria e mais nada. Sem qualquer sobrenome. Ora, o Leopoldina que lhe foi acrescentado posteriormente só pode ter sido em homenagem a Arquiduquesa da Áustria, D. Leopoldina, primeira mulher de D. Pedro I. A imperatriz chegou ao Brasil em 1817, ano em que muitas crianças receberam na pia batismal o seu nome, por estar na moda.




















A fim de colaborar ainda mais com esta opinião, basta lembrar que Maria Leopoldina sabia ler e escrever. Praticamente todos açorianos que vieram para o Brasil no início do século eram analfabetos. Por isso, acredita-se que ela tenha aprendido a ler e escrever ainda menina na chácara do Livramento, aos cuidados de dona Maria José.
Ignora-se como Maria Leopoldina ligou-se à gente da chácara, nem se ainda devia algum dinheiro a alguém pelos custos da viagem. O certo é que granjeou grande estima de dona Maria José, que a tratava como uma filha. Aos 14 anos esteve para se casar, porém o consórcio acabou não se realizando por algum motivo ignorado. Três anos depois, encontramos a menina noiva novamente e mais uma vez frustraram-se os seus planos nupciais (nesta oportunidade, o noivo teria sido Joaquim José de Mendonça, filho de Maria José). A terceira tentativa de casamento ocorreu aos 21 anos e também dessa vez não houve matrimônio. Quem defende essa idéia é ainda Gondin da Fonseca, afirmando que Maria Leopoldina já se via solteirona e somente por isso aceitou a proposta de casamento do pai de Machado. Segundo Gondin, ela casou-se aos 26 anos com Francisco José por medo da solidão e sem nenhum amor a ele. Mas há quem conteste este julgamento, como o francês Jean-Michel Massa, também outro grande estudioso da vida de Machado de Assis. De qualquer forma, os pais do escritor casaram-se no dia 19 de agosto de 1838 na capela do Livramento.

O casal teve dois filhos: uma menina, que foi batizada com o mesmo nome da mãe, Maria, e um menino, Joaquim Maria, que viria a se tornar um dos maiores escritores da literatura mundial. O pequeno era muito apegado à mãe. Ela contava-lhe histórias tão lindas, que o menino ouvia sempre curioso e atento. Foi Maria Leopoldina quem lhe ensinou as primeiras letras. Alguns anos depois, Machado se lembraria dela numa poesia:

MINHA MÃE

Quem foi que o berço me embalou na infância
entre as doçuras que do empíreo vêm?
e nos beijos de célica fragrância
velou meu sono puro? Minha mãe!
Se devo ter no peito uma lembrança,
é dela, que os meus sonhos de criança
dourou: é minha mãe!

Quem foi que ao entoar canções mimosas
cheia de um terno amor, - anjo do bem,
minha fronte infantil encheu de rosas
de mimosos sorrisos? Minha mãe!
Se dentro do meu peito macilento,
o fogo da saudade me arde, lento,
é dela: minha mãe!

Qual o anjo que as mãos me uniu outrora
e as rezas me ensinou que da alma vêm?
e a imagem me mostrou que o mundo adora,
e ensinou a adorá-la? Minha mãe!
Não devemos nós crer num puro riso
desse anjo gentil do paraíso
que chamou-se uma mãe?

Por ela rezarei eternamente,
que ela reza por mim no céu também;
nas santas rezas do meu peito ardente
repetirei um nome: minha mãe!
Se devem louros ter meus cantos d’alma,
ó! do povir eu trocaria a palma
para ter minha mãe!


Depois dessa poesia, Machado silenciou e quase mais nada escreveu sobre ela pelo resto de seus dias. Para o escritor, deveria ser uma recordação muito dolorosa lembrar-se de sua querida mãe, que partira desta vida ainda tão jovem, com apenas 36 anos de idade. No século XIX, a tuberculose era uma doença que matava sem piedade, escolhendo indistintamente suas vítimas em qualquer classe social. Maria Leopoldina apanhara a tísica e morrera no dia 18 de janeiro de 1849, quando o pequeno Joaquim Maria tinha apenas nove anos. Este fato deixou profundas marcas na existência de Machado. A dor provocada pela morte de uma pessoa tão próxima feriu irremediavelmente a alma daquele pobre menino indefeso, agora desprotegido e entregue à crueldade do mundo. Logo compreendeu que tudo na vida era transitório e inseguro.

O que prova que Maria Leopoldina seria uma pessoa muito querida na Chácara do Livramento, é que ela foi enterrada no Convento de Santo Antônio, bem ao lado de dona Maria José, a madrinha de Machado.

terça-feira, 14 de julho de 2009

ENTRE CONCURSOS LITERÁRIOS

Machado de Assis já havia lançado três livros de versos, mas continuava um poeta pouco popular, bem distante da intimidade que havia, por exemplo, entre Gonçalves Dias e o público. Prova disso, foi o resultado de um plebiscito organizado pelo jornal de Valentim Magalhães. Em 1885, A Semana lançou a idéia para se escolher o melhor poeta do Brasil. Para votar, bastava que o indivíduo escrevesse num pedaço de papel o nome desejado e depositasse seu voto numa urna, que ficava na sede do jornal. Durante algum tempo, recolheram-se as cédulas; inúmeros poetas foram lembrados, sobretudo os já falecidos. Dentre os vivos, apenas Luís Delfino teve boa votação. O resultado final indicou o nome de Gonçalves Dias como o grande vencedor, tendo recebido cento e quarenta e seis votos. Em segundo lugar ficara Castro Alves, com cento e oito. E Machado de Assis? Bem, o autor das Crisálidas não recebeu nenhum voto...

Joaquim Maria ainda participaria de um outro concurso literário neste ano, dessa vez como jurado. Em maio de 1885, falecera o grande escritor Victor Hugo, considerado por muitos como o maior homem de letras do século. O seu óbito teve ampla repercussão na imprensa carioca e o jornal A Semana, para homenagear o escritor, resolveu lançar um concurso de sonetos em sua memória. O vencedor ganharia uma coleção de livros do autor, luxuosamente encadernada. Parece que o concurso não teve grande divulgação, pois apenas quarenta e cinco sonetos foram inscritos. Além de Machado de Assis, o corpo de jurados era formado por mais duas pessoas: Lúcio de Mendonça e a escritora Adelina Lopes Vieira, que era cunhada de Filinto de Almeida, um dos diretores de A Semana. Ao cabo do julgamento, venceu o soneto de número trinta e dois, coincidentemente, escrito pelo próprio dono do jornal, Valentim Magalhães!

A experiência de Machado de Assis como jurado de concursos literários não terminaria por aí. Três anos depois, novamente ele exerceria tal função num concurso promovido pelo jornal Novidades. Dessa vez, o vencedor seria aquele que melhor traduzisse dois sonetos do poeta francês José Maria de Heredia. Nessa ocasião, também foram jurados o poeta Luís Murat e o companheiro de repartição de Joaquim Maria, Artur Azevedo. O concurso foi vencido por Mário de Alencar, jovem de apenas dezessete anos, filho de José de Alencar, e que se tornaria um dos grandes amigos de Machado de Assis.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

VALENTIM MAGALHÃES

Nascido no Rio de Janeiro em 1859, Valentim Magalhães estudou Direito na faculdade de São Paulo, mas logo enveredou pelos caminhos do jornalismo, fundando o jornal A Semana, de orientação abolicionista e republicana. Ao escrever seu livro Flor de Sangue, enviou uma carta a Machado de Assis, pedindo-lhe uma crítica favorável, uma vez que todos o estavam desancando pela imprensa. Joaquim Maria atendeu o pedido do amigo, mas os elogios não vieram abundantes como Valentim esperava. Antes, o escritor mostrou que o livro apresentava certa fragilidade; o próprio Magalhães de Azeredo, em carta a Machado, dissera-lhe que Valentim Magalhães tinha o mau costume de fazer seus livros muito rapidamente, sem a paciência que requer toda obra de arte. Seja como for, ele idolatrava Machado de Assis, chegando mesmo a escrever a respeito do mestre palavras que mais pareciam aflorar da boca de uma namorada aflita:

“... Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Varela, Castro Alves, Machado de Assis...
- Esse é um velho; resmunguei vesgo de inveja.
- Um velho! É o mais moço de todos vocês. Nunca o visito que o não encontre preparado para receber-me. Que festas, que transportes, que entusiasmos!... É o meu preferido, o meu bem-amado. Ia a caminho dele quando me chamaste. Costumo ir dar-lhe um beijo todas as manhãs, antes que nele acorde o chefe da seção, enquanto o poeta está de vigília. Desse beijo nasce quase sempre uma estrofe, ou uma frase da próxima crônica, que ele, à noite, quando acorda o poeta e adormece o empregado público, passa ao papel sem demora. Oh! o meu Machado, como lhe quero bem! Que rapaz! Lá está ele impaciente com a minha tardança! Já vou, meu amor!”

Quem fala é a Fantasia, transformada em personagem por Valentim Magalhães, mas que parece se identificar com os sentimentos do escritor. O autor de Flor de Sangue foi também um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira número sete, tendo por patrono Castro Alves. Faleceu com apenas quarenta e quatro anos, a 17 de maio de 1903.

BENTO BARROSO PEREIRA

Nascido em Minas Gerais, o general Bento Barroso Pereira foi um proeminente político de seu tempo. Em 1824, alguns patriotas de Pernambuco tentaram instaurar a república no país. Destacado por Dom Pedro I para combater esta revolução, desempenhou com tamanha eficiência sua tarefa, que a coroa, agradecida, nomeou-o senador no ano de 1826, representando a província de Pernambuco. Tão influente era no meio político, que Bento chegou a ser presidente do senado por mais de 2 anos. De 20 de novembro de 1827 até 15 de junho de 1829, assumiu o cargo de Ministro da Guerra, o qual também ocupou no período da Regência Trina. Bento Barroso Pereira veio a falecer no dia 8 de fevereiro de 1837.

Morava com a família no casarão da Chácara do Livramento, administrada por ele até a morte de Ana Teresa Angélica da Cunha e Sousa. Com o passamento desta, Bento herdou grande parte das terras. Um fato curioso e que passou despercebido pelos biógrafos de Machado é que Bento Barroso Pereira teria sido escolhido padrinho do escritor, caso ele não tivesse falecido dois anos antes de Machado nascer.

Sabe-se que a esposa do Bento, Maria José de Mendonça Barroso Pereira, então viúva em 1839, foi escolhida para ser madrinha do autor de Quincas Borba. Para padrinho, chamaram um genro de Maria José, Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, que era viador do Paço Imperial, Comendador da Ordem de Cristo e Oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro. Este incidente biográfico pouca importância teria na vida de Machado, se não fosse um pequeno detalhe. Os pais do futuro escritor, Francisco José e Maria Leopoldina, para agradecer tamanha distinção e homenagear aquelas pessoas tão nobres e generosas, que se dispunham a apadrinhar uma criança de classe social inferior a deles, haviam prometido batizar o menino com o nome dos padrinhos, Joaquim e Maria. É por isso que ele recebeu na pia batismal o nome de Joaquim Maria Machado de Assis. Ora, se Bento Barroso Pereira ainda fosse vivo, é natural que ele fosse o padrinho escolhido. Decorre daí, que o escritor possivelmente não receberia o nome de Joaquim Maria, mas de Bento Maria Machado de Assis. Ele próprio saberia disso, como parece nos querer informar pelas entrelinhas de sua obra. Em Dom Casmurro, um romance em que há muitos elementos biográficos, Machado não teve dúvidas em crismar seu personagem principal de Bento. Bentinho não seria, portanto, uma máscara sutilmente engendrada para esconder alguns traços ainda obscuros, mas fundamentais para a compreensão da vida do bruxo do Cosme Velho? Fica aí a pergunta, para que outros estudiosos, dotados de mais luzes e novos materiais de pesquisa, possam responder a tal indagação.


domingo, 12 de julho de 2009

LISTA DE BENS - ESPÓLIO DE MACHADO DE ASSIS

Após a morte de Machado de Assis, todos os objetos que pertenceram ao escritor foram inventariados. O que mais chama a atenção nessa lista de bens avaliada pelos peritos é a grande quantidade de coisas velhas ou em mau estado. Na verdade, isso só prova que Joaquim Maria tinha pouco apego a bens materiais. Muitos de seus livros não se encontravam encadernados e nenhum deles possuía encadernação de luxo. Os seus móveis eram modestíssimos e grande parte deles estava estragado.
Abaixo, segue a lista de bens pertencentes ao espólio de Machado de Assis:

“Avaliação - Móveis existentes no prédio à rua Cosme Velho, n. 18: 1 Mobília de sala de jantar de vieux chène, constante de mesa elástica com 5 tábuas; 12 cadeiras; 2 étagères, 1 trinchante e 1 mesinha: 500$000; 2 Dunkerques de jacarandá, com espelho 100$000; 1 Grupo estofado, velho; (3 peças): 50$000; 1 Divã estofado (mau estado) 36$000; 1 Dito idem idem 30$000; 10 Cadeiras de bambu 30$000; 1 Conversadeira estofada (velha) 60$000; 2 Cadeiras de braço, estofadas, em mau estado 20$000; 1 Cadeira de balanço, idem 10$000; 4 Cadeiras de jacarandá 32$000; 1 Lavatório de canela, com espelho 80$000; 1 Guarda-vestidos vinhático, muito velho 50$000; 1 Guarda-casacas com frente de madeira (muito velho) 60$000; 1 Cômoda de canela (mau estado) 30$000; 1 Armário pequeno (canela) 30$000; 1 Aparador vinhático, com pedra mármore (mau estado) 20$000; 1 Guarda-comida de vinhático, em mau estado 5$000; 4 Cadeiras de vime, em mau estado 20$000; 1 Divã de palhinha, em mau estado 40$000; 1 Grupo de 2 cadeiras de balanças conjugadas, mau estado 10$000; 1 Porta-chapéu idem 10$000; 1 Cômoda com pedra mármore e espelho, mau estado 10$000; 1 Cômoda de vinhático, velha, em mau estado 5$000; 1 Cama de ferro nova 30$000; 1 Lavatório com pedra mármore em péssimo estado 5$000; 1 Sofá-cama, austríaco, em mau estado 5$000; 1 Secretária de vinhático 30$000; 1 Cadeira para secretária 10$000; 3 Armários envidraçados 30$000; 1 Estante de madeira 5$000; 2 Estantes de ferro 4$000; 1 Relógio de parede 15$000; 1 Jardineira de metal 15$000; 1 Espelho oval com guarnição dourada (estragado) 15$000; 2 Quadros a óleo (paisagem - cópias) 20$000; 1 Quadro a óleo (marinha) idem 10$000; 1 Quadro a óleo (figura) original de Pontorn 30$000; 2 Aquarelas de Pacheco 10$000; e Gravuras coloridas (paisagem) 20$000; 20 Quadros com gravuras diversas 40$000; 1 Serviço de lavatório (incompleto) 15$000; 1 Serviço de christofle constando de 1 colher para sopa, 1 pá para peixe, 4 facas grandes, 4 facas pequenas, 13 garfos grandes, 12 garfos pequenos, 5 colheres para sopa, 7 colheres para sobremesa, 11 colheres para chá (58 peças) tudo por 70$000; 1 Colher de metal 2$000; 3 Esteirinhas de palha 14$000; 1 Serviço de granito, constando de 1 terrina, 1 saladeira, 2 travessas, 1 prato coberto, 1 molhadeira, 1 fruteira, 19 pratos rasos, 1 prato fundo, 5 xícaras, 3 canequinhas para café, 10 pires avulsos, tudo 25$000; 12 copos de vidro (1/2 cristal) 10$000; 8 cálices de cores (vidro) 6$000; 7 cálices cristal para licor 5$000; 2 Garrafas cristal para licor 6$000; 2 Garrafas vidro para vinho 4$000; 1 Compoteira de vidro 1$000; 2 Fruteiras de vidro 2$000; 1 Fruteira vidro de cor 3$000; 2 Copos vidro de cor 1$000; 1 Bandeja metal (mau estado) 1$000; 1 Cesta de metal 2$000; 2 Bules e 1 açucareira metal (em mau estado) 5$000; 4 Taças de cristal para champanhe 5$000, 2 Toalhas e 4 guardanapos 14$000; 1 Lote de roupas de uso 2$000.

Livros - 400 volumes encadernados de diversos autores 600$000; 600 volumes em brochura de diversos autores 300$000; 400 Folhetos de diversos autores 120$000.
2:718$000 - Importa a presente avaliação na quantia de dois contos, setecentos e dezoito mil réis.”